A Dança


Periodicamente tenho que exorcizar meus demônios que moram comigo. Tenho que dançar com eles para que eles fiquem quietos, para que se satisfaçam com meu lado mais sombrio e depois continuem a dormir, quietinhos. Dou-lhes o sangue de meu corpo, o movimento de minha mente, e agito-me satisfazendo-lhes o seu desejo de ver-me acordar e decepar cabeças em sacrifício involuntário.
O meu corpo me traz a vida, e seus chifres me furam a garganta. Esses demônios habitam minha barriga e dormem a maioria do tempo, cansados de pular e de lutar. Quando acordam, tenho medo, mas tenho que satisfazê-los, pois, caso contrário, me consomem. Abro-lhes a porta da masmorra onde dormem, deixo-os fazer a bagunça necessária, a me pedir que saciem seus olhos vermelhos de ódio, desesperança e crueldade. Meus demônios me conhecem. Conhecem minhas estratégias.
Eles descem pelos meus pés, que querem cortar e machucar, e eu os levanto em uma batalha frenética, para não me vencerem covardemente. Quando levanto os pés, colocam um prego em minha sola. Eu não grito, pois gritar seria perder. Aceito esse prego como aspirina para uma dor de cabeça. Eles então aquecem o prego com suas línguas de fogo, e eu continuo a dançar, agitando os braços para conter a dor. Eles esquentam-no até que derreta, se misture com minhas veias e se funda com minha carne e desapareça. Eles sobem para meus braços, e colocam torniquetes que me apertam os pulsos. Minhas mãos são conduzidas, inertes, pelos meus braços. Eles apertam mais, e minhas mãos caem no chão. Meus braços circundam minha cabeça, a abençoar-me em perda tão custosa. Continuo dançando, e eles estancam sua agitação e me olham nos olhos. É aí que aproveito para serrar-lhes os chifres com meus dentes. Corto-os pelo começo, para que não cresçam muito rápido, e os mastigo e degluto. Eles ainda me olham nos olhos. Então descem para meu ventre, onde açoitam-me sem dó. Eles começam a rir baixinho, e eu rio uma risada muito alta, parecida com a deles. Eles devolvem minhas mãos e voltam para suas masmorras, exaustos, para acordarem numa próxima baralha.

(isso é um relembrando de postagens antigas)

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