
POEMA VISIONÁRIO
Ficará o homem sempre à mercê de guerras ?
Caos, caos, caos
Abrirá alguma vez a asa, na casa, com brasa ?
Voará entre os oceanos antes do apocalipse ?
Beijo, beijo, beijo
Desejo de todas as crenças
Todos os deuses e deusas,
Sentados na grande elipse lunar
A fazer amor
Criando, criando, criando
Fazendo amor
Criando, criando, criando
Criança sobre o telhado da casa
Gritando para sua mãe, embaixo,
Que descobriu que o mundo é grande
Grande, grande, grande
Criança e mãe
Saindo de um grande ovo, novo
Nadando sobre as nuvens e dizendo que o mundo é belo.
Dos B'52 saem apenas balões e os mísseis anti-aéreos servem para cavalgar
Criança e mãe encontram Netuno, bem antes de qualquer corrida espacial, levando um bilhete aos deuses:
"O homem é mau, o que o redime é a sua arte"
REZA
As deusas cantam pelo vento
E Deus, emocionado,
Chora chuva torrencial.
É, EU JÁ FUI MUITO BOBA...
Se tua boca
Azul âmbar
Tem doce de safira
Se tuas mãos
Seguram estrelas cadentes
Se teu olhar
Tem fúria de pantera
Como poderia eu não te gostar ?
Se a promessa que espero
Você olha ao longe,
A chegar
Se teus pés
Pisam caminhos de um sol reto
Se teus pelos têm gosto de azul
Como poderia eu não te desejar ?
Se a música que mora em ti
Pousa em meu ouvido
Se tua soma
Para mim não é subtração
Se teu anel mora em dedo inquieto
Como poderia eu não esperar ?
EU E MEU REFÚGIO
Em minha torre de marfim
Eu vivo a pão, água e circo
Em minha torre de marfim
Há uma aranha
Que chegou lá sem convite
E que tece sua teia em volta de mim
Em minha torre
Nunca envelheço
Eu nasci velha e vou morrer nascendo
Em minha torre de marfim
Há uma sereia na ponta
Que canta quando é lua cheia
Aí cantam os pardais na mais pura boemia
Quando é noite de lua cheia
Então eu jogo minhas tranças
Chamo meu amante
Mas ele está sempre ocupado a enrolar brigadeiros
E fico eu e minha aranha
A tecer sonhos impossíveis
ANGÚSTIA
Cantando os segundos
A música escorre de meus ouvidos
Eu moro no céu
Na masmorra de um castelo muito alto
Estrangeiro de luz
Tomo eletrochoques de meu eu tirano
Meus dentes rasgam pão velho
Esperando, sedento,
O fubá que você me prometeu
Acorrentado por tempestades e neve,
Meu corpo magro sua
Hoje é meu aniversário
Um escorpião dança sob meus pés
Vespas ocuparam minha boca
Sangraram minhas costas
Me lambuzaram de fel
Aranhas me picaram até eu suspirar
Olho a parede
Que nada me diz,
Impassível
INUTILIDADES
Faço muitas coisas inúteis
Minha barriga nunca roncou
Não sei fazer pão
Então coleciono botões
Pinto as paredes de azul e verde
Canto quando estou feliz
Bordo em minha camisa as palavras que aprendi durante o dia
Olho o sol
Vejo a lua
Rezo para as estrelas pedindo luz
O tempo me oprime
O tempo teima em me estrangular com suas unhas afiadas
E eu acaricio sua cabeça
E lhe dou flores a todo o momento
Então ele me deixa em paz
E me deixa viver porque eu lhe agrado
Com minhas inutilidades
VEREDICTO
Um poeta me mostrou seus escritos
Algo sobre poder, sangue e glória
Queria meu veredicto
Disse-lhe eu, então:
-Você precisa comer mais canja de letrinhas feitas por sua Mãe
PARA A ATRIZ QUE ME FEZ CHORAR
Cigarras cantam
Recebi flores
As unhas cresciam
Subi no palco
Vi a vida diferente
Chorei duas gotas
Escorreram devagar
Sol brilha de dia
As estrelas sob as nuvens
A felicidade estava ali
Vi pureza
Coração sofrido
Canção alegre
Risos sobre a cama
A atriz chora em seu camarim
As flores que jogou grudaram em seu vestido
Ela só não sabe que deixou um pedaço de canto de cigarra juntamente com as flores que me jogou para mim.
UM INSTANTE DE LUCIDEZ
Olhei para as estrelas
Que ninguém compra
Olhei para as estrelas
Em seu brilho eterno
Vendi meus olhos para as estrelaS
AI, AI... COMO JÁ FUI BOBA II
Seus olhos me dão a profundidade dos mares
Olhando para eles eu quero mergulhar
Conhecer os peixes que lá habitam
Sorrir para os seres abissais
Abraçar cada navio naufragado
Redescobrir tesouros
Sondar cada montanha submersa
Acariciar a geografia de pedra e areia
Nadar livremente
Em seus olhos morenos
VONTADE
Ando, seguindo meus pés
Eles correm mais do que eu
Meus pés não me obedecem
Não cessam de andar.
Digo:
-Parem !
Mas eles me levam ao meu destino
Digo:
-Andem !
E eles param para contemplar a calma
Tento lhes colocar sapatos
Mas eles me pedem:
-Sapos !
Dou-lhes altos sermões
Para serem educados
E não rirem-se de mim
Eu acabo mesmo indo onde eles querem
DUBIAMENTE
Tenho um menino dentro de mim
Inquieto e matreiro a querer peraltices
Montado na árvore da vida,
Chupa jabuticabas e joga as cascas no chão
Corre por todo o meu corpo
Arrasta tudo o que vê pela frente
Tudo fora de lugar
Às vezes quer ser maior do que eu
Quero pensar, tecer, meditar
Ele sai de meus ouvidos
Me leva para rua para eu cantar e dizer asneiras
Às vezes eu quero ouvir música baixinho
Ele quer dançar até cansar
Quero ficar a olhar sombras
A cuidar das feridas
E ele não pára quieto
Nunca chora quando rasga o joelho
Ri quando me canso
Quando eu choro por não lhe dar ouvidos
Ele senta sobre a água
E me olha, assustado.
QUOTIDIANO
minha poesia acorda comigo
(talvez sonhe comigo)
lavo os dentes, arrumo a cama
penteio os cabelos
não como poesia porque não posso (tenho os dentes cariados)
a poesia mora em meus olhos e não paga aluguel
vivemos em simbiose
tomo banho e ela está ali a pedir para alcançar o sabonete
vou para a rua,
e aí ela começa a se agitar em mim
se cansa com o velho sem café e iorgurte
quando encontro meus amigos, fica feliz e ri à bessa
quando vai à pinacoteca, faz as caretas da classe
mas curte as artes prá valer
minha poesia é folgazã e não presta prá nada que não seja ver o bem
ela se deita na rede e fica balouçando a tarde inteira
só acorda quando lembro o mar
só dá corda quando me lembro de amar
minha poesia tem os dedos verdes e soluça brigadeiro
minha poesia não anda, dança
e me abre os caminhos todo o dia para eu saber onde vou pisar
Nenhum comentário:
Postar um comentário