Contos


PEQUENA FÁBULA CONTEMPORÂNEA


Era o matrimônio perfeito. Moravam na mesma bat-caverna, com tevê e ar condicionado. Até que a mulher, a hiena, deu prá rir. E ria. E o pingüim não entendia o porquê. E ela não entendia, só ria. E ele começou a achar que ela ria de seus pés. Mas não era por causa do marido que a hiena ria. Ria porque achou assim, de repente, que a vida era muito engraçada.
O pingüim decidiu ir ao Pólo Sul fazer uma cirurgia plástica em seus pés. Foi fazer suas malas, e achou a casaca black tie que usara no dia do casório. Fez então uma promessa: se não conseguisse fazer a mulher parar de rir, nunca mais tiraria essa casaca.
Dois dias depois embarcou com o Amyr Klink para o pólo sul. Lá ele se apaixonou pela recepcionista da Clínica de Cirurgia Plástica, casou com ela, e não tira mais a casaca. E é por isso que fatura milhões fazendo propaganda prá Antartica.
-Ah, e a hiena ?
Continua na sua bat-caverna esperando o marido, olhando tevê e rindo, porque essa vida é mesmo muito engraçada.




SOLUÇÕES PARA TEMPOS DE CRISE

Era uma vez uma menina que vivia sentada numa mesa. Adorava fazer suposições psicológicas sobre as pessoas e tocava bandolim com a língua. E nunca acertava, porque seu bandolim não a deixava falar direito. Tinha saudades de sua avó, que havia partido para Roma e deixado um cachorrinho bassê para ela tomar conta. Tinha saudade também de um namorado seu, que a havia abandonado por achá-la triste, dependente e chata. Resolveu ocupar suas mãos com um piano, sua cintura com um bambolê, sua mente com livros e seus olhos com lágrimas. Quando tinha tempo, olhava para um mendigo que dormia ao relento ao lado de sua mesa. Ele havia abandonado a vida por causa da bebida e do jogo. E a menina chorava; quando sua tarefa de chorar chegava ao fim, olhava o mendigo. Ele fumava Marlboro e tomava catuaba, por isso era bastante peludo e viril. A menina, de tanto olhá-lo, apaixonou-se por ele. Mas ele não a queria, porque ela usava Colgate e escrevia peças teatrais.
O mendigo, então, consumia os olhares que ela mandava. E sobrava tanto olhar que ele os embalou em caixinhas cor-de-rosa e colocou-os à venda no Mappin.
As pessoas que viam os olhares embalados na vitrine achavam-nos de bastante qualidade e pureza, comprando muito aquele produto inovador. O mendigo enriqueceu e foi morar em uma cobertura na frente do mar. Todo o dia ele se vestia de mendigo e ia embalar os olhares novos: os olhares continuavam puros e esperançosos. O agora comerciante de olhares ia cada vez mais refinando as embalagens e o preço do produto. Ela era uma produtora inesgotável. Ele agora tem um nome, se chama Crivo. Resolveu fazer uma campanha publicitária para o seu produto: “Pureza e simplicidade bem embalados: sinta esse prazer !” . A propaganda foi veiculada no rádio e na tevê. Crivo teve que contratar produtoras de olhares, porque a menina não dava mais conta de seu serviço. Crivo então pegou a menina, que agora tem nome e se chama Lívia, sua mesa e seu bassê . Colocou-os em uma redoma de vidro, projetando em uma tela de cinema a imagem do mendigo que fora antes de chamar-se Crivo. Ela passou a chorar todo dia de manhã antes de seu trabalho. Trabalhava em sua redoma de vidro para produzir os olhares mais autênticos e caros. O que era produzido pelas outras produtoras era tudo falsificado, mas o público consumidor passou a não mais distinguir o que era autêntico e o que não era. Crivo vendia os olhares autênticos à artistas e crianças, a preços extraordinariamente caros.
Lívia passou a ser preocupação para Crivo, porque o seu choro atrasava a produção, e ele precisava pagar suas férias ao Caribe até dezembro. Mas não tinha jeito: Lívia não conseguia começar seu trabalho sem chorar, pelo menos, 365 gotas de cada olho. Seus olhos começaram a inchar e ela passou a não enxergar mais a tela de cinema onde era projetada a imagem do mendigo. Não havia mais soluções tecnológicas que fizessem com que sua produção voltasse ao normal. Crivo chamou técnicos do Sebrae, Xerox e das meias Vivarina, que não souberam solucionar o problema. Outro problema surgiu: os consumidores enjoaram-se da moda de olhares, não havia propaganda que fizesse com que o consumo voltasse a um bom nível; muito pelo contrário, as vendas eram uma linha vermelha descendente a cada dia.
Crivo comprou uma caneta de ouro e resolveu escrever a biografia de Lívia, a produtora de olhares de primeira qualidade. Não adiantou nada. Crivo faliu porque Lívia agora só chora de tristeza por ter seus olhares vendidos como perfume barato. E chorava, e chorava, e chorava. Chorou tanto que emocionou Crivo, que a tirou da redoma de vidro junto com seu bassê , colocando-os em uma torre de marfim. A torre era a mais alta do país. Para não fugir, trancou-a com uma pétala de rosa. Chamou palhaços, malabaristas e bailarinas para fazê-la parar de chorar. Os palhaços tinham narizes verdes, e Lívia gostou. Ia diminuindo a quantidade de lágrimas – no primeiro ano foram só 364, no segundo 363, no terceiro 362, e assim sucessivamente, até se passarem 365 anos. Os palhaços já estavam cansados de fazer palhaçadas, ficando muito felizes com sua arte quando Lívia chorou a última gota.
Quando chorou a última gota, Lívia ficou com vontade de voltar para sua mesa e fazer suposições psicológicas sobre as pessoas, mas não pôde voltar, pois sua avó voltara de Roma e, não encontrando o bassê, queimara sua mesa, de raiva. Lívia não tinha mais para onde voltar. Pensou em mudar de continente, mas o bassê não sabia nadar; não podia deixá-lo com Crivo, porque ele estava com vontade de assá-lo no almoço de domingo. Lívia não tinha outra saída: tinha que ficar no meio do jardim de Crivo servindo de enfeite: era o único emprego que lhe restava. Botou um jarro de cerâmica na cabeça, virou os olhos pro céu e lá ficou. Não agüentou muito tempo nesse serviço, pois tomava muita chuva e os pombos faziam muita sujeira nela. Ficou dois anos. Depois foi tentar a carreira de seguradora de papel na mesa de Crivo, mas não se adaptou àquele emprego: era muito leve e voava mais fácil que os papéis que tinha que segurar. Além de ter que correr atrás dela cada vez que tinha vento, Crivo tinha que pagar férias, 13o. salário e cesta básica. E achou muito caro. Resolveu empregá-la como abridora de latas.
Lívia tinha os dentes afiados e enquadrou-se perfeitamente ao novo emprego.




O COBRE

Era uma vez um escultor. O objetivo da vida dele era fazer esculturas de madeira.
Certo dia, ele achou uma pedra de cobre. Admirou-a, achou legal, e a levou para seu atelier. Colocou-a, por um instante, em seu torno de esculpir madeira. E ficou pensando.
Olhou seus cinzéis, suas goivas e demais instrumentos. E admirou o cobre.
Admirou seu brilho estranho, suas pontas um pouco afiadas e as reentrâncias.
Ficou muito tempo nesta admiração.
A peça era interessante, tinha um quê de imperfeição que o intrigava.
- Bem, pensou ele, cobre não é madeira, e cobre nunca quererá ser madeira.
Pegou a peça de cobre, com cuidado, mais uma vez admirou seu peso, e colocou-a na prateleira mais alta de seu atelier.




A CASA

Era uma vez uma casa. Ficava no alto de um morro. Habitavam nela somente o som do vento e os fantasmas. Era, em tempos outros, azul. Hoje está descascada, a chuva adora fazer visita. Do lado direito, um jacarandá. Na frente, as marias-sem-vergonha faziam guarda. Atrás da casa, o mar. Depois, me perguntei porque o dono a havia feito de costas para o mar.
Eu era um ser que peregrinava por este mundo, imune às suas desgraças e felicidades. Eu era meio bicho, pois escolhi sempre andar por lugares onde não há pessoas.
Cheguei lá numa tarde de abril, me admirando com aquela casa tão erma. Resolvi passar ali a noite, pois era verão e as muriçocas estavam adorando chupar meu sangue.
Entrei na casa. Antes, o sinal da cruz, como costume. Fechei a porta. Não dava para ver nada, pois a noite caíra enquanto eu observava o mar. Tropecei em algumas coisas no chão. Encontrei uma cama, tateando. Era compacta, feita de uma peça só de madeira resistente.
- Que cama dura!
Deixei minha bagagem ao lado e deitei-me. O vento lá fora cantava, e logo os fantasmas vieram me olhar, curiosos. Não tenho medo, acostumado que sou à sua presença. Me pediram que acendesse uma vela, mas eu estava com sono e logo adormeci.
Veio aquele sono bom, onde a gente aos poucos se desgruda do corpo e vai visitar outros mundos.
Ali minha alma encontrou uma ursa, a amamentar seus filhotes, num lugar seco e cheirando à arruda. Eu era um deles. Não estava mais frio porque o corpo de minha mãe me aquecia. Me senti feliz com esta família.
A gente às vezes sai de um sonho bom por causa de um mosquito. Tratei de espantá-lo, e os fantasmas tornaram a me pedir uma vela. Eu queria dormir, voltar para a ursa
Dormi novamente, sonhando imagens difusas como qualquer sonho bom. A certa altura, eu estava me afogando no mar. Sentia a água entrando pelo meu corpo. Enchia minha cabeça, e logo eu me tornei água.
Acordei com o sol nascendo. O teto em cima da cozinha estava desabado e por ali eu via Vênus. Desperto e sob aquela cama dura, esfreguei os olhos, num acordando. Coloquei meus pés para fora da cama, sonolento. Mais adiante, uma pia. Me dirigi até lá e, para meu espanto, saía da torneira uma água barrenta. Deixei-a aberta para tornar-se mais limpa. Meu rosto no espelho, não o via há várias semanas. A barba grisalha fazia festa em meu rosto. Meus olhos, sempre achei que eram amargos. Olhei para a torneira, a água tinha se tornado um pouco mais clara. Lavei o rosto. De minha barba pude ver escorrer aquela água com sabor de barro (meu olhar às vezes me amedronta).
Olhei para o restante da casa, agora desperto. Estava cheio de mato nas paredes. Ao lado da porta, um esqueleto de um cachorro; uma cômoda coberta de musgo e um retrato na parede de uma família numerosa.
Resolvi ir para a cozinha, o outro único cômodo. Ali o sol começava a entrar, debochado, pelo teto. Uma mesa, cinco banquinhos, uma pia e panelas espalhadas pelo chão: uma prateleira desabada. Peguei a comida que havia em minha mochila, sentei-me em um banco. Comida velha, insosa.
Levantei-me, pegando o restante de minha comida. Encontrei velas dentro da cômoda da sala, lembrei dos pedidos da noite anterior. Acendi a que estava ainda nova no centro da sala. Fiz um sinal da cruz, fechei a porta, cumprimentei o jacarandá e segui o meu caminho.





A DANÇA

Periodicamente tenho que exorcizar meus demônios que moram comigo. Tenho que dançar com eles para que eles fiquem quietos, para que se satisfaçam com meu lado mais sombrio e depois continuem a dormir, quietinhos. Dou-lhes o sangue de meu corpo, o movimento de minha mente, e agito-me satisfazendo-lhes o seu desejo de ver-me acordar e decepar cabeças em sacrifício involuntário.
O meu corpo me traz a vida, e seus chifres me furam a garganta. Esses demônios habitam minha barriga e dormem a maioria do tempo, cansados de pular e de lutar. Quando acordam, tenho medo, mas tenho que satisfazê-los, pois, caso contrário, me consomem. Abro-lhes a porta da masmorra onde dormem, deixo-os fazer a bagunça necessária, a me pedir que saciem seus olhos vermelhos de ódio, desesperança e crueldade. Meus demônios me conhecem. Conhecem minhas estratégias.
Eles descem pelos meus pés, que querem cortar e machucar, e eu os levanto em uma batalha frenética, para não me vencerem covardemente. Quando levanto os pés, colocam um prego em minha sola. Eu não grito, pois gritar seria perder. Aceito esse prego como aspirina para uma dor de cabeça. Eles então aquecem o prego com suas línguas de fogo, e eu continuo a dançar, agitando os braços para conter a dor. Eles esquentam-no até que derreta, se misture com minhas veias e se funda com minha carne e desapareça. Eles sobem para meus braços, e colocam torniquetes que me apertam os pulsos. Minhas mãos são conduzidas, inertes, pelos meus braços. Eles apertam mais, e minhas mãos caem no chão. Meus braços circundam minha cabeça, a abençoar-me em perda tão custosa. Continuo dançando, e eles estancam sua agitação e me olham nos olhos. É aí que aproveito para serrar-lhes os chifres com meus dentes. Corto-os pelo começo, para que não cresçam muito rápido, e os mastigo e degluto. Eles ainda me olham nos olhos. Então descem para meu ventre, onde açoitam-me sem dó. Eles começam a rir baixinho, e eu rio uma risada muito alta, parecida com a deles. Eles devolvem minhas mãos e voltam para suas masmorras, exaustos, para acordarem numa próxima baralha.





O GRILO

Eu tenho um atelier. Em meu atelier há um banheiro e, no ralo do chuveiro, morava um grilo. Às vezes eu estava arteando no atelier, e ele resolvia cantar. Devia comer algum musgo que havia no encanamento.
Eu trabalho em meu atelier também de madrugada, e, às vezes ele, do nada, começava a cantar, quando tudo era só silêncio.
Eu gostava muito da compania do grilo cantante, morador do ralo do chuveiro. Um dia resolvi recompensá-lo pelos seus concertos, e colocando algumas folhas do jardim de minha casa em seu ralo. Coloquei folhas diversas para ele, algumas vezes. Mas ele começou a não cantar mais. Acabei o esquecendo. Talvez tivesse gostado muito de comer folhas ao invés dos musgos do ralo.
Ele continuava quieto. Um dia eu estava lavando minha pia quando vi um ponto preto no canto da pia. Era o grilo. Morto. Fiquei triste de o ver sem vida. Todo pretinho, gordo, do tamanho de um botão. Morto.





PORTAS

Minha porta está fechada, não estou. Me tranco em meu quarto e ele flutua, isolado em um mundo que não existe. Fico só, admirando minhas fotos e meu passado.
Trancada em meu quarto, ele passeia por florestas, desertos, montanhas, bosques. Evito olhar para fora da janela.
Em meu quarto, a chave da porta é uma senha para o esquecimento da realidade, que me machuca e me faz chorar. Abro minha caixa de fotografias, fico me lembrando de como eu era feliz, e de como o leite derramado não me fazia falta. Anseio por esse vôo todas as manhãs, quando irei sentar em minhas almofadas fofas e sentir a brisa que vem de fora. Se o meu quarto não voasse, minha vida não teria sentido. A chave de meu quarto é a razão de meu viver.
Quero ser engenheira, e fabricar um Aeroporto de Quartos, e, talvez, fazer voá-los por toda a eternidade, sem pousar. O meu Aeroporto de Quartos terá a mais alta tecnologia, e serão abastecidos de gasolina todas as manhãs, antes de acordar, por frentistas vestidos de branco, com asas de gelo. Não farão barulho, não se sentirá a presença deles. Irão fazer os quartos todo o dia felizes.
Eu sei que vou conseguir, pois a tecnologia existe para isso. Minha chave ficará em meu pescoço, presa, esperando que eu possa abrir a minha porta de noite para beber água num riacho. Então, verei minhas contas, como o meu negócio é próspero, farei o meu papel de chefe e xingarei os frentistas que insistem em fazer barulho. Subirei em meu quarto, esperando que minhas descidas sejam abreviadas cada vez mais. Dormirei, fechando a janela o mais hermético possível para naum ver o que se passa lá fora.





O VENTO QUE ME FAZ VER COISAS

Penso nos fantasmas que habitam minha cabeça. Às vezes, quando ouço alguma música diferente, um sai lá de dentro e vem espiar o mundo exterior. Eu estou deitada no sofá e fico imóvel, porque sei que um de meus fantasmas está por aqui. Ele observa as janelas, a sala bem feita e confortável, e sente-se bem. Olha prôs quadros e abajures art-noveau, e sente-se bem por habitar um corpo que mora em uma casa tão confortável. Ele escuta a música, e sabe que os ouvidos da pessoa sob ele estão sentindo sua presença. A música invade o ambiente e o fantasma resolve dançar. Chama outro fantasma que habita o corpo, e juntos movem-se suavemente, flutuando sobre o tapete e rodopiando. A música fala de espíritos no escuro. Está claro e o dia chove. O relógio bate dez horas. O som diminui e aumenta. Eu que estou deitada e não os vejo, mas sei que eles dançam na sala, pois os quadros se levantam lentamente por causa da brisa que eles soltam quando rodopiam. Às vezes sei também que eles riem, porque meus gatos olham prá lá e sorriem também. Meus gatos são amigos de meus fantasmas, e os enxergam muito bem.






O SOL

Era uma vez uma menina.
Ela fumava e ia morrer de câncer no pulmão.
Ouvia rock e não entendia as letras. E dançava. E dançava.
Certo dia enlouqueceu e trancou-se em sue quarto. Começou a pintar as paredes. Pintava-as de cores alegres, mas a angústia que sentia não ia embora. Então rasgou sua colcha e a teceu novamente. E queria ser artista; quebrou a escrivaninha de fazer a lição de casa, transformando-a em cabides para pendurar os amigos. Porém os amigos não vinham, e ela se sentia muito só - muito só. Conversou com seus bichinhos de pelúcia, e estes criaram vida, descendo do armário onde eram guardados. Abriram os livros que havia na estante . Saíram lá de dentro muitos outros bichos. Bichos estranhos, que gostaram da menina. E a menina gostou deles. O que fez foi pendurar os bichos estranhos nos cabides, botando os bichinhos de pelúcia para tomar conta - para nenhum sair do seu devido lugar.
Pôs-se à conversar com seus amigos, que lhe contaram histórias de livros e de sonhos - sonhos estes que estavam lá fora de seu quarto .
Quis transformar-se em mulher, mas não tinha roupas adequadas. Resolveu, então, ser criança para sempre. Seus amigos aprovaram, pois eram malucos como ela (eram saídos de livros!)
A menina ficou muito triste: seus novos amigos, que agora já não eram tão novos assim, queriam sair dos cabides. Reclamavam, reclamavam. Deixou-os sair,e eles, com medo, voltaram para os livros e trancaram-se lá dentro. Sabiam que ela não estava em seu estado normal. Ela ficou novamente só, muito só.
Sentou-se na cama, chorando, chorando, chorando... Ainda lhe restava os bichinhos de pelúcia, mas eles eram muito chatos. Mas... olha! os bichos de pelúcia molharam-se com as lágrimas, tavam estragando. E fediam.
Abriu a janela para respirar ar puro. E descobriu o sol. Convidou-o a entrar, mas este não a ouvia. Entrava assim mesmo, espalhando-se em tudo que ela tinha.



A VELHA E A MENINA

Uma velha veio lhe trazer orvalho.
- Mas é manhã ! exclamou.
A velha não entendeu, mas lhe trouxe pão.
- Mas é com ovos !
A velha não entendeu, e lhe trouxe luz.
- Mas é de estrelas !
Trouxe então o sol, que brilhava com esplendor e, mesmo não entendendo, lhe beijou a testa e a deixou em sua cama, ardendo em febre e reclamando que a vida não lhe dera sementes.
A velha veio novamente e lhe trouxe uma exclamação.
- Como é bonito ! (comentário de menina boa)
- Como é lúcido ! (comentário de menina louca)
- Como é triste ! (comentário de menina doce)
A velha ficou confusa e foi comer fubá e, em sua degustação, compreendeu que a menina estava querendo uma gaiola. Trouxe a gaiola e colocou-a defronte à mesa.
- Quero colorida !
- Quero com flores !
- Quero com liberdade !
A velha entendeu, atordoada, que a menina nunca viveria bem dentro da gaiola. E lhe trouxe um ursinho.
- Querida, obrigada. Nunca mais vou querer ver a sombra da maldade.






CHORIMANGO E SUAS PREOCUPAÇÕES

era uma vez um chorimango. era um bicho azul, com antenas e florzinhas pelo corpo.chorimango era rico pois tinha parabólica em casa.ele era dono de uma fábrica de refrigerantes, a "barato total". era feliz pois tinha muitas secretárias, office-boys e gerentes ao seu dispor. não precisava se levantar de sua mesa pois a copeira lourdes sempre adivinhava quando ele queria tomar café. no domingo,ele jogava golfe com seus amigos e depois ia até a boate "sonho azulado". lá ele encontrava rizoleta, que era quem satisfazia seus desejos mais vulgares, inclusive tomar milk-shake em copos de plástico. ali ele podia ouvir o reginaldo rossi, coisa que lhe era proibida em casa desde moleque. diziam que líderes não ouvem tal música, era coisa da ralé. quando ele ouvia as músicas deste cantor, ficava com vontade de andar descalço e coçar a barriga, coisa que fazia rizoleta rir com prazer e trazer mais copos plásticos. aí eles derramavam talco pelo quarto, mas tanto talco que ficava parecendo uma praia. e então eles faziam castelos de talco e deixavam vazar água da banheira, ficavam brancos como fantasmas, e então chorimango sacudia as antenas e as flores do seu corpo ficavam bem perfumadas. e ficavam se rindo um pro outro a noite inteira.o dono da boate não se importava com a sujeira, tanto que lhe deixava sempre disponível um estoque de talco, porque chorimango nunca deixara de pagar pelos seus desejos.então chegava segunda-feira. ele tomava uma ducha, saía da "sonho azulado" e ia prá seu escritório, onde lourdes, a copeira, já lhe deixava o café da manhã pronto, em cima de sua mesa. aí ele trabalhava feliz, pois o "barato total" já vendia na argentina, no chile e no uruguai. as contas iam sempre bem, pois era um refrigerante gostoso e barato. tinha o sabor que ele mais gostava, crossf, que era uma fórmula que seu irmão descobrira misturando bombom sonho de valsa, cigarrinhos de chocolate e paçoca amor com chá de rosas e eucalipto em pó. ninguém até hoje descobrira a fórmula de seu refrigerante predileto. seu irmão inventara outros sabores, mais era crossf que mais vendia.




(ESSA SE PRETENDE UMA PEQUENA HISTÓRIA-PSICODÉLICA PARA CRIANÇAS. FOI CRIADA EM UM CURSO SOBRE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS, E OS PERSONAGENS FORAM CRIADOS A PARTIR DE UM DESENHO ALEATÓRIO DE 5 PESSOAS)

Personagens:
Borboleta Henriqueta
Calaleoa Marieta
Carrinho de bebê
Aspirador de pó
2 peixes – Haroldo e Bertoldo
gralha
elefante voador -

Objetos:
chave
óculos
bota
barco


O JARDIM

Era uma vez um jardim. Um lindo jardim cheio de plantas e bichinhos. Esse jardim ficava em uma casa, e sempre mamãe ia passear com neném, que depois dormia, em seu carrinho, sob um ipê.
Neném adormeceu, e mamãe foi para dentro de casa para cuidar de suas coisas: tinha que passar aspirador de pó na casa. Passava por ali a borboleta Henriqueta, que ficou observando neném, com suas faces tão bonitas e saudáveis. Por ali também passava a camaleoa Marieta, que também ficou a observar neném. As duas estavam em sua contemplação quando notaram o barulho que o aspirador de pó fazia. Ele começou a fazer um barulho bem alto, mas muito alto mesmo. Henriqueta e Marieta, que eram amigas, se olharam. E então uma coisa extraordinária aconteceu. O aspirador de pó saiu voando pelo jardim.
- Estou cansado de aspirar pó! Estou cansado de ficar dentro desta casa! Vou me revoltar. E vou levar junto comigo as cores desse jardim que tanto invejo.
E saiu voando e aspirando as cores de tudo que havia. As árvores ficaram cinzas. As flores ficaram cinzas. A terra ficou cinza. Marieta e Henriqueta não ficaram cinzas porque se esconderam dentro do buraco de uma árvore.
As duas estavam muito tristes de ver o jardim assim todo cinza. E resolveram ir atrás do aspirador de pó que agora aspirava cores.
Marieta e Henriqueta passaram para o jardim da casa do lado, que continuava com suas cores habituais. No pé de um chorão estava sentada uma gralha.
- Senhora dona gralha, você viu um aspirador voador saindo gritando de nosso quintal? Perguntou Marieta
Dona gralha largou um longo grito e depois disse:
- Ele foi até o Mar de Noá, jogar as cores lá.
- Muito obrigada, dona gralha.
E lá se foram as duas para o Mar de Noá. Chegaram na praia, e ali Marieta pensou como elas fariam para entrar no Mar de Noá.
Os peixes Haroldo e Bertoldo, que por ali passavam, vendo uma borboleta e uma camaleoa mirando a água, quiseram saber o que elas faziam ali.
- Estamos atrás de um aspirador que roubou as cores de nosso jardim.
Haroldo havia visto um barulhão dentro de um barco azul que navegava perto da Ilha de Cáspide, e Bertoldo jurava ter visto uma coisa metálica com um cano preto na ponta e fazer um barulhão por aquelas bandas também.
- É o aspirador de cores! Disse Henriqueta . Vocês sabem como fazemos para ir até a ilha de Cáspide? Eu sou uma camaleoa, não sei nadar nem voar, e a minha amiga não teria forças para voar tanto, cairia na água e se afogaria.
Haroldo e Bertoldo pensaram, pensaram, e então Haroldo viu uma bota jogada no meio da praia.
-Esse povo porco! Vivem fazendo sujeira na praia...
-Mas, esperem! Vocês podem entrar dentro da bota e fazê-la de barco... Disse Bertoldo
-E como vamos chegar lá? Perguntou Marieta.
-Vocês entram dentro da bota e nós dois puxamos vocês.
Lá estavam os quatro a vagar pelo Mar de Noá, quando avistaram um elefante voador.
O elefante era cinza e usava uns óculos dourados e estava voando em círculos e olhando prô fundo do mar.
- Ô seu elefante, o que o senhor procura?
- Estou procurando a chave que abre aquela coisa metálica e barulhenta que navega num barco azul para abrir sua barriga.
- Oh, o aspirador de cores!
- O que ele fez para o senhor?
- Antes eu era verde e vivia feliz na ilha de Cáspide com minhas amigas maritacas. Aí essa coisa barulhenta ia passando por lá e fazendo um barulhão e eu pedi para que se calasse. Aí me xingou e foi aspirando o verde de minha pele, e eu fiquei cinza. E agora as maritacas não querem mais ser minhas amigas.
- E como o senhor soube da chave?
- Foi ele quem jogou no mar depois de dizer que nunca mais se abriria pra ninguém.Eu vi.
- E porque seu óculos continuam dourados apesar de o senhor estar cinza?
- É que é um óculos mágico. Ele vê tudo o que quero. Olhe lá! A chave! E agora, como eu vou fazer para pegá-la no fundo do mar? Eu sei voar, mas não sei nadar.
- Eu pego! – disse Haroldo
- Eu pego! – disse Bertoldo
E deixaram Marieta, Henriqueta e o elefante voador sobre as águas. Dali há pouco voltaram com a chave.
- Como vamos fazer para abrir o aspirador de cores?
- Tenho um plano – disse Henriqueta.

Depois de planejarem, saíram em busca do aspirador de cores. Chegando perto da ilha de Cáspide, à direita, ouviram um barulhão. Era ele! Dentro de seu barco azul! E como gritava! Xingava tudo! Blasfemeava!
Fizeram então um plano e o colocaram em prática logo, logo.
O elefante voador voou para frente do aspirador, dizendo que queria sua cor de volta. Enquanto isso, os quatro se aproximavam por trás. Marieta desceu da bota e foi se aproximando da fechadura do aspirador. Então...
CABUM ! Foi um estouro danado. A barriga do aspirador se abriu e soltou todas as cores de uma vez só!
E as cores passaram por cima da camaleoa Marieta. E é por isso que hoje ela tem a cor que deseja ter.
Todos voltaram para o seu lugar, inclusive as cores do tão amado jardim que voltaram com sol e muita alegria.
O elefante resolveu que não voaria mais e que continuaria cinza, pois começou a achar suas amigas maritacas muito barulhentas, e dizem também que se mudou para a África porque ficara muito amigo de umas girafas. Mas ainda tem seus óculos mágicos.
Haroldo e Bertoldo inauguraram um novo sistema de transporte, o botamóvel, e transporta quem quiser ir em busca de aventuras no mar de Noá.
O aspirador voltou a ser de pó, porque depois da aventura ficou com um complicações estomacais e lá na casa de neném pelo menos ele pode fazer o barulho que quiser e esvaziam ele quando ele está de estômago cheio.
Marieta agora vive feliz porque tem a cor que quer.
Henriqueta voltou para seu jardim colorido.
E neném? Continua a dormir sob o ipê, com flores amarelíssimas sobre seu sono.

2 comentários:

Ava disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ava disse...

Gostei do fantástico seu.
Me adiciona no msn, sim?